Por Christian Schramm Jorge
Coordenador CRT – Célio Pereira Oliveira Neto
Com o arrefecimento dos números da Pandemia da Covid-19 e aumento da população vacinada, várias empresas estão ampliando o retorno de suas atividades presenciais. Porém, acompanhando este retorno surge a dúvida dos empresários a respeito de quais medidas podem ser tomadas em relação aos empregados que se recusam a tomar a vacina contra a Covid-19.
No final de 2020, antes mesmo de as vacinas estarem disponíveis para a população, iniciou-se a discussão a respeito da possibilidade da vacinação compulsória dos cidadãos, condição esta que já estava prevista na Lei 13.979, de 20 de fevereiro de 2020, que justamente estabeleceu medidas de enfrentamento para a Pandemia. Esta discussão passou pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, que em dezembro de 2020 decidiu pela impossibilidade da vacinação forçada da população, mas sim pela possibilidade da vacinação compulsória.
A diferença entre estes institutos é simples: ao impedir a vacinação forçada, o STF apontou que não é possível vacinar “à força” aquele indivíduo que se recusa a tomar a vacina. Porém, ao entender pela vacinação compulsória, permitiu que o cidadão sofra consequências civis pela recusa injustificada em tomar o imunizante, como, por exemplo, ser impedido de adentrar determinados lugares, dentre outros.
Feitos estes apontamentos, chegamos no cerne deste artigo, que é justamente o que fazer com o empregado que se recusa a tomar a vacina da Covid-19, que vem invariavelmente acompanhado da pergunta: posso aplicar uma justa causa para a rescisão deste empregado? Já antecipando nossa conclusão, entendemos que sim, esta possibilidade de rescisão é viável.
A Lei impõe várias obrigações ao empregador em garantir um meio ambiente do trabalho adequado e seguro aos seus empregados, isento do risco de sofrer acidentes ou de contrair doenças. A própria Constituição Federal já estabelece no inciso XXII, do seu artigo 7º, o direito dos empregados a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. A Consolidação das Leis do Trabalho, exemplificativamente, em seu artigo 157, a obrigação do empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, instruir os empregados a respeito de precauções a serem tomadas para evitar acidentes ou doenças, bem como adotar medidas que sejam determinadas pelos órgãos competentes. A própria CLT estabelece também aos empregados a obrigação em observar as normas de saúde e segurança estabelecidas em lei e pelo empregador, colaborando com o seu cumprimento, constituindo ato faltoso a sua recusa injustificada.
A utilização compulsória da vacina como medida de prevenção da Covid-19 é medida não só prevista em lei[1] como orientada nos protocolos de segurança da Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde. A eficácia das vacinas vem reiteradamente sendo confirmada pelos órgãos oficiais nacionais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e internacionais. A evolução da vacinação dos diversos grupos etários e preferenciais, conforme Planos de Vacinação dos países, vem demonstrando a proporcional redução do número de indivíduos contaminados e, principalmente, dos indivíduos que vão a óbito. Assim, indiscutivelmente a vacina se apresenta como um meio eficaz para conter a pandemia e o desenvolvimento de novas cepas do vírus.
Deste modo, é possível às empresas exigirem a vacinação compulsória de seus empregados, como medida de saúde e segurança no trabalho, solicitando a comprovação de vacinação tão logo alcançada a faixa etária ou preferencial correspondentes. A recusa injustificada do empregado em tomar o imunizante pode, também, ser punida com a rescisão por justa causa do contrato de trabalho. Lembramos aqui que por se tratar de uma medida extrema, pode também a empresa optar por uma rescisão sem justa causa deste contrato de trabalho, desde que o empregado não esteja sujeito a alguma garantia de emprego ou mesmo estabilidade.
Como medida preventiva, é importante que a empresa dê ciência prévia desta consequência aos seus empregados, seja incluindo esta questão em seu protocolo interno de segurança contra a Covid-19, em seus programas de prevenção de saúde e segurança no trabalho, ou demais regramentos internos, reforçando esta informação.
Interessante apontar que a empresa que não tomar qualquer medida em face do empregado que se recusa injustificadamente a tomar a vacina fica sujeita a outros riscos, como, por exemplo, o de receber pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho de seus outros empregados, sob a alegação de que estão expostos à risco de contaminação por aquele empregado que se recusa a tomar o imunizante. A esta mesma condição fica sujeita a empresa cujos sócios ou gestores se recusam a tomar o imunizante, expondo a risco as equipes de trabalho que estão em contato.
Considerando que a matéria é recente, ainda não existem muitos precedentes jurisprudenciais a respeito. O caso mais famoso foi o de uma empregada da área de limpeza de uma empresa terceirizada de um hospital infantil de São Paulo que se recusou, injustificadamente, a tomar a vacina. O seu contrato de trabalho foi rescindido por justa causa, sendo que, ajuizada reclamatória trabalhista, esta rescisão foi confirmada tanto na sentença como no recurso interposto ex-empregada ao Tribunal Regional do Trabalho. Inobstante ainda seja escassa a jurisprudência, a maioria da doutrina trabalhista defende este mesmo entendimento, com manifestação defendendo esta possibilidade pelo próprio Ministério Público do Trabalho[2] e, recentemente, em entrevista concedida a um Portal da Internet, pela própria Ministra Presidente do Tribunal Superior do Trabalho[3].
Assim, concluímos que, diante das obrigações de prevenção de saúde e segurança de seus empregados previstas em lei, é viável a rescisão por justa causa do contrato de trabalho dos empregados que se recusam a tomar o imunizante contra a Covid-19.
[1] Como na alínea “d” do inciso III, do art. 3º, da Lei 13.979/2020.
[2] In GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE VACINAÇÃO DA COVID – 19, disponível em https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua.pdf/view
[3] In https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/09/14/empresa-tem-direito-de-demitir-quem-recusar-a-vacina-diz-presidente-do-tst.htm